Código do Trabalho vai mudar: guia para empresas e trabalhadores

A revisão do Código do Trabalho já teve luz verde do Parlamento e isso vai ter implicações diretas no mercado laboral, tanto do lado das empresas como dos trabalhadores. Conheça as 10 principais alterações.

No passado dia 19 de julho, foi aprovado o texto de substituição da Proposta de Lei nº 136/XIII/3.ª (GOV) e dos Projetos de Lei n.º 137/XIII/1.ª (PCP), 550/XIII/2.ª (PAN), 729/XIII/3.ª (BE), 732/XIII/3.ª (BE), 797/XIII/3.ª (PCP), 901/XIII/3.ª (PEV), 904/XIII/3.ª (BE), 905/XIII/3.ª (BE) e 912/XIII/3.ª (PCP), o qual altera, entre outros diplomas, o Código do Trabalho.

Assim, o setor privado passará, brevemente, a regular-se por algumas novas regras, de entre as quais se destacam as seguintes.

1. PAGAMENTO DE TRABALHO SUPLEMENTAR

As normas legais reguladoras de matéria relativa ao pagamento de trabalho suplementar passam a ter carácter semi-imperativo. Quer isto dizer que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT) só poderão regular a matéria do pagamento do trabalho suplementar, afastando o regime geral do Código do Trabalho, se dispuserem em sentido mais favorável aos trabalhadores.

2. TRABALHADORES COM DOENÇA ONCOLÓGICA

Os trabalhadores com doença oncológica passam a estar expressamente reconhecidos, lado a lado com os trabalhadores com deficiência ou doença crónica, como sujeitos titulares dos mesmos direitos e adstritos aos mesmos deveres dos demais trabalhadores. Esta igualdade, como já acontecia com os trabalhadores com deficiência ou doença crónica, é reconhecida no acesso ao emprego, à formação, promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, sem prejuízo das especificidades inerentes à sua condição de saúde. Também quanto aos doentes oncológicos, passa o Estado a ter o dever de estimular e apoiar a ação do empregador na respetiva contratação.

Por outro lado, as medidas de ação positiva, que já se encontravam em vigor para os trabalhadores com deficiência ou doença crónica, são agora, alargadas aos trabalhadores com doença oncológica ativa em fase de tratamento. Passando assim, estes trabalhadores, a estar incluídos na obrigação, que recai sobre o empregador, de adotar medidas que, conquanto não devam implicar encargos desproporcionados, permitam aos trabalhadores com doença oncológica ativa em fase de tratamento terem acesso a um emprego, o possam exercer e nele progredir, ou terem formação profissional.

Por fim, os trabalhadores com doença oncológica ativa em fase de tratamento passam também a estar abrangidos pela dispensa de prestação de trabalho em regime de adaptabilidade, banco de horas ou horário concentrado, e ainda entre as 20 horas de um dia e a 7 horas do dia seguinte, caso esta prestação possa prejudicar a saúde do trabalhador ou a segurança no trabalho.

3. PERÍODO EXPERIMENTAL

Os contratos de trabalho sem termo, celebrados com trabalhadores à procura de primeiro emprego ou desempregados de longa duração, passam a ter um período experimental de 180 dias. Alarga-se assim o leque de possibilidades em que o empregador e o trabalhador dispõem de 6 meses para apreciar o seu interesse na manutenção do vínculo laboral e para denunciar o contrato, sem invocação de justa causa, nem pagamento de indemnização. Quanto a esta matéria passa ainda a constar, de forma expressa e inequívoca, na lei, que o período de duração de estágio profissional deve ser tido em conta para efeitos de cálculo do período experimental, desde que o estágio em causa tenha sido realizado na mesma atividade e para o mesmo empregador.

4. FORMAÇÃO CONTÍNUA

Segundo estas novas alterações, os trabalhadores passam a ter direito, em cada ano, a um número mínimo de 40 horas de formação contínua. O que representa mais 5 horas anuais de formação de que o atualmente previsto na lei laboral.

5. O CONTRATO A TERMO RESOLUTIVO

As normas legais que regulam matéria respeitante ao regime do contrato de trabalho a termo resolutivo passam a ter carácter imperativo. Quer isto dizer que não poderão ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Esta imperatividade do regime legal só não se aplicará no que respeita ao que se poderão considerar “necessidades temporárias de empresa” e às regras de preferência na admissão. As entidades empregadoras passam a ter de definir “objetivamente” as necessidades temporárias que obrigam à contratação a termo e os contratos poderão ser celebrados “apenas” pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade. Deixa ainda de ser possível aos empregadores contratar a termo trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de longa duração, com base apenas e tão só nesse fundamento, como era possível até agora. Estas possibilidades deixam assim de constar do leque legal de fundamentos que legitimam o recurso à contratação a termo.

Ainda quanto ao leque de fundamentos que possibilitam a celebração de contratos a termo, passa a limitar-se o uso do motivo de lançamento de nova a atividade ou abertura de novos estabelecimentos apenas a empresas com menos de 250 trabalhadores, que até agora estava fixado em 750 trabalhadores.

Prevê-se ainda o alargamento da duração dos contratos de trabalho de muito curta duração de 15 para 35 dias e a sua ampliação a todos os setores cujo ciclo anual registe acréscimo excecional de atividade de forma irregular, decorrente do respetivo mercado ou de natureza estrutural, e que não seja possível assegurar pelos recursos humanos permanentes da empresa.

O período máximo de duração dos contratos de trabalho a termo certo também sofre alterações, passando a ser de 2 anos (anteriormente 3 anos) e, por sua vez, o dos contratos de trabalho a termo incerto passa a ser de 4 anos (anteriormente 6 anos). Pese embora se mantenha possível renovar o contrato a termo certo até 3 vezes, a duração total destas renovações não poderá exceder a duração do período inicial do contrato. Por fim, quanto a esta matéria, contempla-se ainda a obrigatoriedade do empregador pagar a compensação devida pela caducidade do contrato a termo certo, ainda que o mesmo já previsse a sua não renovação.

6. O TRABALHO INTERMITENTE

O regime do contrato de trabalho intermitente também será sujeito a alterações, com a redução do período mínimo de prestação de trabalho anual de 6 para 5 meses, reduzindo-se também em um mês o período de trabalho consecutivo, o qual passa de 4 para 3 meses. A antecedência para o empregador informar o trabalhador do início do período de atividade não poderá agora ser inferior a 30 dias no caso de o trabalhador exercer outra atividade da qual tenha informado o empregador ou 20 dias nos demais casos. Assim, os trabalhadores passam a poder exercer outra atividade durante o período de inatividade, devendo disso informar o seu empregador. Caso em que, contudo, a respetiva retribuição auferida deverá ser descontada na compensação devida ao trabalhador pelo período de inatividade.

7. O TRABALHO TEMPORÁRIO

As novas alterações atingem ainda o regime do contrato de trabalho temporário. Assim, a consequência legal para a cedência de um trabalhador, por empresa de trabalho temporário, a uma utilizadora, sem a celebração do contrato de trabalho temporário ou contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária, passa a ser a integração do trabalhador na empresa utilizadora (e já não na ETP) em regime de contrato de trabalho sem termo. O contrato de utilização de trabalho temporário passa a considerar-se nulo caso não contenha qualquer uma das menções previstas no artigo 177º. Introduz-se um limite máximo de 6 renovações para o contrato de trabalho temporário a termo certo, que até à data não existia, o qual, contudo, não é aplicável aos casos em que esse contrato for celebrado para substituição de trabalhador ausente, sem que essa ausência seja imputável ao empregador. E, por fim, o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável aos trabalhadores da empresa utilizadora passa a ser imediatamente aplicável ao trabalhador temporário, sem necessidade do decurso dos 60 dias de prestação de trabalho atualmente previstos.

8. O BANCO DE HORAS

Por seu turno, o regime do banco de horas sofre significativas alterações, com a revogação do banco de horas individual, determinando-se a cessação de todos os acordos (individuais), que estipulem este regime de tempo de trabalho, decorrido 1 ano sobre a entrada em vigor da Lei. Assim, todos os acordos individuais de banco de horas que se encontrem em aplicação na data da entrada em vigor destas alterações, cessam automaticamente ao fim de 1 ano.

Passa ainda a ser possível a implementação do regime de banco de horas grupal (aplicação ao conjunto de trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade económica) mediante aprovação do respetivo projeto em referendo pelos trabalhadores a abranger, que deverá correr em procedimento específico criado para o efeito e acompanhado pela Autoridade para as Condições de Trabalho.

9. DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO

Quanto ao regime do despedimento por extinção do posto do trabalho são introduzidas pequenas alterações respeitantes a alargamento de prazos. Assim, a estrutura representativa dos trabalhadores, o trabalhador envolvido e/ou a associação sindical, se for caso disso, passam a ter 15 dias (e já não 10), a contar da comunicação do empregador, para emitir o respetivo parecer quanto ao despedimento em causa. Por outro lado, qualquer trabalhador envolvido ou entidade mencionada supra passa a dispor de 5 dias úteis (e já não 3) para solicitar a intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho na verificação da existência dos requisitos legais para despedimento por extinção de posto de trabalho.

10. ASSÉDIO

Por fim, importa mencionar que se verifica um reforço de proteção dos trabalhadores no âmbito do assédio, refletido nas seguintes alterações:
a) O empregador passa a ter o dever de afastar quaisquer atos que possam afetar a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes do trabalhador, nomeadamente assédio;
b) Passa a fazer parte do leque de sanções disciplinares abusivas aquela que for motivada pelo trabalhador ter alegado ser vitima de assédio ou ser testemunha em processo judicial e/ou contraordenacional de assédio;
c) Passa a ser motivo para justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador a prática de assédio pela entidade patronal ou por outros trabalhadores.

Aqui chegados, pese embora não se trate de uma alteração ao código do trabalho, mas sendo uma matéria verdadeiramente importante para as empresas, cumpre ainda referir que
esta Lei trará ainda, por alteração ao Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e como medida de combate à precariedade laboral, a chamada “Contribuição Adicional por Rotatividade Excessiva”. Esta nova contribuição será aplicável às pessoas coletivas e às pessoas singulares com atividade empresarial, que apresentem no mesmo ano civil, um peso anual de contratação a termo resolutivo superior ao respetivo indicador setorial em vigor, o qual constará de portaria de membros do Governo e será publicada no primeiro trimestre do ano civil a que respeita. A taxa contributiva adicional terá uma aplicação progressiva com base na diferença entre o peso anual de contratação a termo e a média setorial, até ao máximo de 2%, e constituirá base de incidência contributiva o valor total das retribuições base, relativas aos contratos a termo resolutivo, devidas no ano civil a que o apuramento respeita.

Sendo certo, contudo, que ficarão legalmente excluídos desta contabilização os contratos a termo celebrados para substituição de trabalhador em gozo de licença de parentalidade ou com incapacidade temporária para o trabalho por doença por período igual ou superior a 30 dias, os contratos de muito curta duração e ainda os contratos obrigatoriamente celebrados a termo por imposição legal ou em virtude de condicionalismos inerentes ao tipo de trabalho ou à situação do trabalhador.

Todas estas novas regras serão aplicáveis aos contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, exceto quanto a condições de validade e a efeitos de facto ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento. Exceciona-se ainda da sua referida aplicação os contratos de trabalho a termo resolutivo, no que respeita à sua admissibilidade, renovação e duração, e à renovação dos contratos temporários, uns e outros, celebrados antes da entrada em vigor destas alterações. Por fim, cumpre referir que estas alterações entrarão em vigor no primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação.

Fonte: executivedigest.sapo.pt